A Arquitetura da Ascensão – Continuação (Cap. 1.14)
Em minha casa quando os meus irmãos souberam que eu bati num rapaz maior do que eu foi inacreditável. Eles me chamavam de boboca, davam-me apelidos, vezes ou outra recebia um “cascudinho” e nunca revidei. Realmente sentia-me idiota não retribuindo nenhuma agressão. Não que eu não tivesse vontade em fazê-lo e sim, por covardia mesmo. Sentia-me muito fraca fisicamente não tendo forças para me defender.
Daquele dia em diante ganhei respeito dentro e fora de minha casa. Todos passaram a me conhecer no colégio a partir do histórico momento de um tapa cinematográfico. Dois dias depois deste ocorrido fui convidada pelos jovens do colégio a ser candidata a miss primavera. Nossa! Agora estava em evidência.
Não sei como aceitei. Concorreria com muitas jovens.
Passados alguns meses desfilei na passarela com tapete vermelho. Tinha ganho o concurso de miss primavera. Carreguei o cedro, coroa na cabeça e a capa vermelha bem comprida se arrastando na passarela. Um sonho de princesa!
Com coroa na cabeça e simbolicamente sendo uma rainha eu precisava trabalhar. Não poderia mais adiar. Estava angustiada sabedora que meus pais continuavam a não gostar dos presentes ganhos dos meus sogros e namorado, o rapaz do colégio que eu esbofeteie por impulso, os gatinhos que tínhamos socorrido morreram, sobrevivendo apenas um deles, as plantas eu não podia mais cuidar devido aos estudos, tensões com as apresentações do curso de piano, péssima aluna de matemática, vendo e sentindo o meu pai trabalhando demais e, assim, minha mãe; irmão usando aparelho ortopédico, irmã mais velha muito brava, remédios para comprar, contas a pagar; namorado que era um grude, mediunidade excessiva… não aguentei!
Desmaiei. Quando abri os olhos tive a surpresa de ver o meu médico no quarto. Sempre muito sério, pernóstico, rabiscava novas receitas, medicamentos com doses mais fortes. Relutei muito para não a tomar. Meu pai contou-me sigilosamente que o psiquiatra queria me internar. Apavorei-me! Eu já tinha ouvido falar que os doentes psiquiátricos, internos do Hospital Juquery da cidade de Franco da Rocha em São Paulo, recebiam choques elétricos. Será que seria internada lá, naquele manicômio? Então… eu também estava louca?
Chorei muito. Devido as medicações fortes, sentia-me inerte. Não saia mais de casa. Pegava papéis, aquarela e ficava pintando tentando ser artista como meu irmão. Deixei de escrever poesias, não comparecia às aulas de piano, perdia aulas no colégio e o “JFB” me consolava.
A prática da pintura em aquarela me animou. Com as visitas do meu tio, irmão da minha mãe, uns dos grandes artistas plásticos da cidade, sentava-se ao meu lado. Pacientemente me explicava como se misturavam as tintas, cores primarias e secundárias. Como segurar os pincéis, o que era desenho, aquarela, nanquim e por aí afora. Ficava encantada com toda aquela magia das cores. Não demorou para eu pintar as teclas do piano no papel. Amava as cores e nunca passara na minha cabeça que no futuro a música pudesse ser conhecida com as frequências dos pontos energéticos do corpo. Chakras, sons e cores.
Um dia. Enquanto medicada, dopada totalmente, sentei-me perto da minha mãe enquanto ela fazia o almoço. Admirei-me ao ver o Bob, o nosso gato, único sobrevivente daquela gataria. Ele me olhava e eu a ele.
Bob tinha os pelos compridos, preto com manchas brancas, olhos verdes, olhava-me fixamente. Seu olhar penetrante fazia-me sentir nua. Ele sabia ler a minha mente. Encarei-o e com ele falei telepaticamente. Comecei a sentir arrepios na minha cabeça, tudo girava a minha volta, cai. Deitada no chão, convulsionei.
Eu não tinha diagnóstico de epilepsia. Aquela convulsão foi inexplicável. Desde então não podia ouvir um miado de gato. O Bob chegava num cômodo eu saia correndo para o outro. Não queria vê-lo nunca mais. Fui piorando e sentindo pavor quando ele vinha em minha direção. Ficava hipnotizada. Minha mãe adorava o gatinho. Mesmo assim ela não vacilou. Orientou o meu irmão mais velho para colocá-lo dentro de um saco. Puseram-no dentro do carro do meu namorado e o levaram muito distante. Nunca mais soubemos do nosso gatinho de estimação.
Com as semanas passando eu me acostumei com a nova medicação. Voltei a vida normal.
Como fazia tempo que os espíritos não falavam comigo fiquei contente. Pensei estar livre deles. Meu médico disse-me que as medicações estavam fazendo efeito com possibilidades de não surtar mais, diminuir as visões espíritas. Ele como católico não suportava meus relatos durante as nossas consultas.
Com a minha melhora física voltei a estudar parapsicologia. A holografia do cérebro me fascinava. Iniciei a pesquisa sobre as pirâmides do Egito e os deuses da Índia. Tudo que pudesse ler, pesquisava a fundo.
Já tinha lido muitos livros psicografados pelo médium Chico Xavier e Waldo Vieira. Nitidamente percebia que eu caminhava mais pelo lado científico do que para a religião espírita. Não tinha preconceitos e lia desde Martin Luther, Satanás, Gandhi, Jesus, estudando tudo o que pudesse.
Sentia a falta dos rituais dos cultos evangélicos, começando a ficar incomodada. Tinha o direito de buscar algum grupo de religiosos ou ateus, kardecistas ou católicos, evangélicos ou macumbeiros para trocar ideias, aprender, socializar e nada a temer.
Dei um jeito de ver de perto as aulas de meditação de uma escola indiana que estava sendo inaugurada na cidade. A prática de meditação era dada duas vezes por semana. Como eu faria aquelas aulas sem poder pagar as mensalidades?
Resolvi trabalhar. Falei da tomada de decisão e a necessidade do mesmo com meu pai. Faria um experimento. Rapidamente (antes que eu mudasse de ideia), meu pai conseguiu um trabalho como recepcionista (amigo dele) num consultório dentário.
Fui toda empolgada para o trabalho, feliz! Assim que apertei a campanha do consultório para a experiência de trabalho, amoleci. Tive uma leve vertigem. Disfarcei, dei de costas ao dentista, nada falei e fui-me embora.
Não tinha dado quinze minutos de distância entre a minha casa até o consultório. Ofegante vi minha mãe no portão me esperando.
— Eu sabia que você não ficaria no trabalho! Avisei o seu pai mas ele não me ouviu… veja no que deu!
Tirei a roupa bonita, coloquei a velha de se usar em casa, corri para minha cama e chorei abraçada ao travesseiro.
Meus irmãos assustados foram chegando. Todos solidários! Meu pai ao chegar a noite do trabalho, foi até a minha cama.
— Filha! Sei que você não está dormindo. Não se preocupe mais com isso. Não vou mais pedir para você ir trabalhar em nenhum lugar. Você tem alguma coisa esquisita. Não foi feita para isso. Eu dou um jeito.
Continuei fingindo que estava dormindo. Orei fervorosamente a Deus. Pedi-lhe que me ajudasse. Não queria sair de perto da minha mãe. Tinha medo!
Medo? Medo eu tinha de galinhas e gatos. Cachorros abandonados nas ruas, soltos e temor dos homens, tarados, tudo! De longe sentia a aproximação de algum gato. Meu trauma fazia o corpo ficar petrificado. Não saia a voz e assim foi por mais de vinte anos.
Próximo capítulo dia 26/09/2018
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