A Arquitetura da Ascensão – Continuação (Cap. 1.16)
“Somos livres para decidir sobre os nossos atos, muito embora, nos tornemos escravos de suas consequências”. Chico Xavier.
Citações bíblicas e mensagens espíritas é o que mais lia. Eu queria mais. Entrar atrás dos sons das palavras como se fossem ímãs que me atraíssem. Ficava fascinada pelo Rio Nilo e pelas pirâmides do Egito, o colorido da bela Índia, Israel, o majestoso Pão de Açúcar no Rio de Janeiro e a fascinante Paris. Queria tocá-los com as mãos, sentir os lugares, conhecer de perto o enigma, a beleza e o misticismo.
Estava pensando sobre o mundo enquanto subia a ladeira onde ficava o comércio central da cidade. Caminhava em direção à farmácia do Caju comprar medicamentos. Encontrei-me casualmente com a professora da aula de meditação entrando na mesma farmácia. Eu a vi uma única vez. Seu olhar era inconfundível. Transmitia paz interior.
Aproximei-me dela:
— Olá! Eu sou Berenice. Estive a semana retrasada na sua aula de meditação. Apresentei-me a ela.
— Ah! Sim. Lembro-me de você. Esteve bem tímida sentada atrás de um jovem alto. Ele chegava a esconder você. Riu.
— Sim! Eu estava com vergonha de estar lá. Não sabia como seria…
— Por que não voltou? Não gostou?
— Pelo contrário, respondi-lhe.
— Amei a sua aula. Meu pai não tem condições financeiras para pagar as aulas e eu ainda não trabalho.
— Quem é seu pai? Eu o conheço?
— Não sei! Mas a cidade toda conhece o meu pai funcionário do Instituto de Educação “Ide e Ensinai”.
— Quem é ele?
— É o Sr. “U”.
— Mas… claro! Eu o conheço! Inclusive ele trabalha com o meu irmão que leciona no mesmo colégio.
Sorri feliz! Eu tinha quebrado o gelo naquele momento. Um grande avanço na área de comunicação, pensei comigo.
— Amanhã haverá aula e ficarei no seu aguardo, o que acha? Disse-me a guru “H”.
— Não. Não posso. Não tenho como lhe pagar. Respondi-lhe sorrindo.
— Você não irá me pagar. Sua presença será um presente para todos. Aguardarei por você.
Assim iniciei o meu curso de meditação. Fui recebendo as instruções, técnicas e mantras.
Dei-me muito bem com aquelas instruções. Já fazia um bom tempo que eu frequentava suas aulas quando a professora me disse que iria à Índia. Um senhor a substituiria enquanto ausente e eu poderia continuar fazendo as suas aulas, graciosamente.
Não foi por acaso que numa noite de confraternização os praticantes do curso levaram um conjunto de músicos com instrumentos indianos. Foi fantástico! Conheci gente nova, músicos, foi fácil continuar a amizade com eles.
Quem não gostou nada disso foi meu namorado. Levou a sério as novas amizades, ficou com ciúmes e brigamos.
Discutimos por nada! Ele não queria que eu continuasse praticando o curso de meditação ou fazendo novas amizades. Elas não pertenciam ao nosso círculo. Pensei comigo! Círculo de amizades? Eu não poderia falar com ninguém?
Muito jovem e apaixonada não percebia que estava sendo induzida a deixar muitas coisas na minha vida. Meu comportamento já estava sendo como o de uma esposa, submissa. Ah! Naquela época as mulheres sempre tinham comportamento respeitoso ao marido. Estávamos namorando uns dois anos sem interrupção, virgem, um grudado no outro e nos víamos todos os dias. Afirmei que eu não seria uma mulher com disposição de obediência a nenhum homem, não cumpriria ordens, tinha ideias próprias e jamais seria submissa.
Determinada falei com meu pai.
— Seja lá quem for, eu não vou fazer nada que não queira, não aceitarei ordens de namorado e vou terminar esse namoro que está me enchendo a paciência.
Meu pai, pacientemente:
— Filha! O “JFB” é um ótimo rapaz. Boa família. Vocês se dão tão bem! Tenha um pouco mais de calma!
Droga! Pensei comigo. Desde quando um relacionamento tem que dar certo se você está começando a se sentir oprimida?
Estava brava. Assim que o bonitinho chegou eu fui falando que não queria mais estar com ele, daria um tempo e veríamos o que fazer.
A “coisa pegou” feia. Ele chorou tanto que fiquei consternada vendo suas lágrimas. Não tive a coragem suficiente para dar o fim ao nosso enlevo.
Interessante que meus sentimentos diminuíram um pouco em relação a ele. Não percebia que as nossas famílias estavam casadas. Nossos pais muito próximos, meus irmãos íntimos demais com o “JFB” e eu, costumeiramente, integrada, fazia parte daquela família como se fosse filha dos meus futuros sogros.
Surgira a primeira dúvida: seria amizade ou amor? Talvez uma carência de ambas as partes?
Não sabia mais nada. Numa das consultas com meu psiquiatra, conversei com ele a respeito das minhas confusões em relação ao namorado. Ele simplesmente me disse:
— “JFB” é excelente. Não o faça sofrer. Gosto muito dele.
Não gostei da resposta do meu médico. O tom grave da sua voz parecia ameaçadora como o do personagem do Zé do Caixão, terror!
Continuamos o namoro. Até então nunca tinha me interessado por nenhum outro rapaz. De repente, a atenção por jovens que também eram bonitos, inteligentes e interessantes começaram a despertar a minha atenção.
Numa tarde durante a meditação. Concentrada no meu Deus interior, ouvi:
— Vou ajudar você e a sua família.
Perguntei-lhe:
— Quem fala comigo?
Silêncio total. Ninguém me respondeu do “outro lado”
Passado mais ou menos uns quatro dias após esta experiência, meu pai veio até a mim:
— Filha! Fico preocupada com você. Seu namoro está “firme”, o tempo está se passando e você precisa começar a preparar o seu enxoval.
Impensadamente, disse-lhe:
— Pai! Não se preocupe comigo, não. O senhor vai ganhar na loteria e eu não precisarei trabalhar fora de casa. O meu enxoval será pago com o dinheiro ganho pela loteria.
— Que Deus ouça você, minha filha! Que assim seja! Amém.
Quase tive um “chilique” dos grandes quando verbalizei para o meu pai sobre ganhar na loteria. Não me passava pela cabeça sobre este assunto, muito menos um enxoval para fazer. Casamento estava muito longe, ainda.
Numa noite meu pai chegou em casa e foi me encontrar lendo antes de dormir. Entregou-me uns 10 “santinhos” para eu escolher os números e jogar na loteria esportiva.
— Pai! O que é isso?
— Você me disse que vou ganhar na loteria, não foi? Então peça ajuda a Deus e que ele nos abençoe mesmo sendo pecado jogar na loteria. Este dinheiro que vou gastar é do dízimo da igreja. Não vou poder colaborar com ela neste mês, mas se eu ganhar, retribuo o triplo do que colaboro mensalmente.
Concentrei-me e ditei para o meu pai os números que ele deveria escolher. Feito à escolha dos números foi feita a aposta com a esperança.
Assim que ele fez o jogo na lotérica ele me deu o comprovante.
— Guarde-os com você. Vamos ver se tudo o que você fala é verdade mesmo.
Fiquei apavorada. Como eu saberia se daria certo ou não? Ouvi uma voz que falava que nos ajudaria, nada mais!
Aquela voz não me disse como ajudaria! Estava em maus lençóis, pensei! Agora iriam me internar, mesmo!
No final da semana (se não me engano), foi numa quinta-feira seria o sorteio da loteria esportiva.
Com o ouvido no alto-falante do rádio meu pai foi conferindo… pronto! Ele foi sorteado. Mais um ganhador!!! Sorteado numa quina!!!
Alegria, felicidade, respiramos! Poderíamos pagar todas as nossas contas atrasadas, ir as compras, fazer o meu enxoval e… pagar o “diabinho” do agiota! Graças!
Sim, graças. Não seria internada no hospício e queria ver a “cara” do pastor e do meu médico. Ah! Como eu ficaria feliz em vê-los tendo prova das minhas premonições e clarividências.
Eu estava sendo má. Iria revidar.
Veio meu desapontamento. O pastor fez a oração agradecendo a graça recebida e pegou em mãos o triplo do dízimo direcionado à Igreja, prometido pelo meu pai. O tal reverendo passou as mãos na minha cabeça, dizendo-me:
— Pronto! Agora pode comprar o seu enxoval lá no Braz em São Paulo, as coisas por lá são bem baratas. Riu e foi embora com seu envelope de dizimo e a Bíblia debaixo do braço.
Não me elogiou e nada falou sobre as minhas “adivinhações.”
Durante a consulta com o médico contei o ocorrido, (ele já sabia), fez uma menção:
— Que coincidência. Você acertou sem querer. Santo forte! Não é que o seu pai ganhou mesmo na quina? Ele merece! Um homem bom e trabalhador. Mande-lhe os meus cumprimentos.
Coincidência? Pensei! Poderia se materializar deuses e santos a minha volta que ninguém acreditaria em mim. Quando você é médium e tem convivência próxima a amigos, família, você é tão comum que nada que falar ou fizer será motivo de um único agradecimento ou elogio. Tudo muito… normal! Mas se acontecer com o filho do vizinho, aí sim, tem dons proféticos, iluminado, abençoado por Deus.
Uma lição a mais. Nunca seria reconhecida por ninguém e eu queria ser especial para a minha família, ajudando-os.
Na época as pessoas não falavam em depressão, surtos psicóticos, síndrome do pânico. O foco de atenção era quando alguém estava com câncer e morria sem saber que “estava com a doença ruim”. Um pesadelo!
A segunda doença mais comentada era de quem “sofresse” do coração. Os idosos assim chamados de “velhinhos”, a partir dos cinquenta anos de idade. Após os sessenta eram os “pés na cova”. Clarividência, premonições, mediunidade não eram evidenciados. Macumbeiros, sim! Nas curvas das estradas – velas e galinha preta, tigela de barro com santos, fotografias, barbantes com três nós e, assim por diante. As pessoas tinham muito medo e faziam o sinal da cruz.
Ganhavam muito dinheiro quem usava a prática de amarrações de relacionamentos, jogadores de búzios ficavam riquíssimos e quando alguém pensava em fazer consultas com eles, não podia falar. Um preconceito girava a roda da sociedade. A elite frequentava estes lugares escondidos e, faziam o marketing do macumbeiro entre a roda de “confiança” deles.
Muitos falavam do “Preto Véio”. Era a moda da época. Quem canalizava o “Preto” e fazia as rodas de canto do Candomblé estava feito na vida. Um empresário não ganhava menos do que eles.
Eu tinha preconceito e pavor de que alguém me chamasse de macumbeira como relatei no início deste livro. Ficava bem longe deles. Fugindo destes rótulos e com dinheiro poderia ir a São Paulo estudar com o Frei Albino Aresi (foto do início) na Clínica “Mens Sana”. Frequentar os estudos de radiestesia e parapsicologia com o Frei Aresi eu ganharia e status e longe de ser uma macumbeira da vida. Decisão tomada.
Próximo capítulo dia 03/10/2018
Nenhum Comentário