A Arquitetura da Ascensão – Continuação (Cap. 1.2)
Descobri que eu poderia ser uma missionária. Meu pai jurou que me mandaria estudar no Rio de Janeiro no Instituto Bennett. Sim! Na época dos anos 1960 (mais ou menos), as mulheres adquiriam uma boa formação cultural e religiosa dentro daquela instituição de ensino. Certa da minha vocação não arredaria os pés.
Antes de dormir eu ficava muito pensativa e chorosa. Como poderia viajar para tão distante deixando a minha família? Suportaria viver sem a minha mãe por perto?
Com quem eu falaria sobre as premonições, conversas com os desencarnados quando a própria Igreja vetava os seus membros a falar sobre estes assuntos?
Muito tempo se passou. Consegui separar bem os meus dons mediúnicos. Não falaria com ninguém sobre as visões ou conversas com Deus.
Num sábado à noite eu e a minha família estávamos reunidos em volta de uma mesa de madeira quadrada com 6 cadeiras. Era a nossa mesa de jantar. A única mesa que tínhamos. Esperávamos visitas. Enquanto meus tios Osvaldo e Rosa não chegavam o papo entre pais e filhos se aprofundava. Meu pai analisava cada filho nestes momentos. Fazia muitas perguntas sobre as nossas vocações. Ele era rígido com todos quando o assunto religião e educação estavam em pauta.
Naquela noite desabafei. Disse aos meus pais que eu gostaria de ser jornalista, casar com pastor, cuidar dos pobres e índios, ter filhos e ser pianista da igreja. Eles riram muito. Explicaram-me que para cuidar dos índios ou dos pobres não haveria necessidade de me casar com pastor. As mulheres poderiam ter suas profissões independentes dos homens. Lembro-me que enfatizei o desejo de seguir carreira como jornalista.
Achei estranho ele não cobrar a minha ida ao Rio de Janeiro e o prometido estudo religioso como futura missionária! Algo não estava certo…
Muito mais tarde conversei com a minha mãe sobre a indiferença e o comportamento do meu pai a respeito de meus futuros estudos. Ela sabiamente foi me explicando que eu não sairia da minha casa devido os problemas emocionais que se manifestavam. Além disso meu pai já estava se ocupando da organização da ida do meu irmão mais velho a São Paulo. Ele estudaria como bolsista na Faculdade de Teologia Rudge Ramos. Com certeza seria excelente pastor da metodista.
Aos 10 anos de idade eu caminhava sozinha nas ruas bem longe da minha casa. Acompanhava a linha do bonde. Seguia-a para não me perder no trajeto que me levava a casa da professora de piano. Meus pais não tinham dinheiro para pagar condução. Então eu ia a pé e feliz da vida.
Numa tarde enquanto fazia aulas de piano com a professora sentada ao meu lado, senti um bebe naquela sala. Naquela época as crianças não sabiam como eram feitos os bebes. Com certeza a cegonha iria levar um neném naquela casa bonita.
Num ímpeto e sem conseguir me segurar falei em voz alta: “– A senhora vai ter um bebe! Um menino.”
Imediatamente vi o seu olhar perplexo sobre os meus e uma leve palidez tomou conta dela. Fingiu não me ouvir. Com segurança continuou cantarolando as notas da escala em Do Maior para eu decorar o dedilhado.
Naquele dia sai da aula muito chateada. Sim! Decepcionada comigo mesmo porque não consegui ficar calada. Tinha que lhe dizer sobre o bebê?
Quando eu recebia “recados” do céu não conseguia calar a minha voz. Eu falava claramente e forte. As palavras se soltavam da minha garganta sem nenhuma timidez.
Que vergonha! Mais um problema para eu resolver sozinha!
No mesmo dia e fora da casa da mestra ainda podia sentir muita raiva. Sim. Ficava muito chateada comigo mesmo. Jamais deveria dizer a ninguém das minhas percepções.
Parada na calçada carregando uns 5 livros de músicas e partituras, esperava o bonde passar para então, atravessar a rua coberta de paralelepípedos. Fiquei parada ali por alguns minutos. Minha vista ficou turva. Não ouvia nada ao meu redor. Uma senhora encostou as suas mãos nos meus ombros, dizendo-me: “– Você está bem?”
Não lhe respondi. Minha voz não saia. Trêmula e assustada ouvi uma voz dentro do meu SER. “– Você pode fazer muito para ajudar as pessoas.”
– Quem é você? Perguntei-lhe.
Ninguém me respondeu. Continuei andando muito depressa até chegar a minha casa. Coloquei os livros na antiga cristaleira. Correndo, afoita, fui para perto da minha mãe. Relatava sem ocultar nenhum detalhe o que tinha acontecido desde a aula de piano e a pequena conversa com um espírito na rua. Minha mãe aconselhou-me para eu deixar de falar “aquelas conversas”, porque criava muitas bobagens na minha cabeça. Não demorou para meu pai ter o conhecimento das minhas “fantasias”. Ele me chamou, colocou suas mãos na minha cabeça. Carinhosamente orou a Deus para tirar estas coisas do “demônio” da minha cabeça.
Fui crescendo. Uma das minhas irmãs se tornou minha grande amiga. Ela não entendia as premonições ou, como pudessem ser úteis para as pessoas. Ajudava-me como ouvinte e confidente.
Um dia comecei a falar em línguas. Minha irmã ficou aterrorizada! Lembro-me como se fosse hoje, ela brigando comigo, dizendo-me que eu estava mentindo para todo o mundo. Como eu poderia falar em inglês se nós éramos brasileiros? Isto porque no colégio onde estudávamos convivíamos com muitos estrangeiros. Ela não diferenciava o inglês da chamada “língua dos anjos”.
Não nos separávamos por nada. Minha irmã X ficava sempre rabiscando papeis que desembrulhávamos dos pães. Desenhava sem parar e onde eu frequentava, lá estava ela ao meu lado. Testemunhava as minhas canalizações e chorava comigo. Sofria tanto quanto eu. Percebia a incompreensão das pessoas ao meu redor.
Numa tarde vi meu vizinho dirigindo o seu carro novo. Um Gordini. Carro da última moda. Ele era gerente de um banco, sério e compenetrado. Assim que eu o vi chamei a atenção da minha mãe. Disse-lhe que o nosso vizinho perderia a vida num acidente de carro. Via-o mentalmente caindo de um abismo.
Outra vez não consegui segurar a minha visão. Impulsionada, soltei a voz e, desta vez, fiquei de castigo. Foi a primeira e única vez que fiquei sobre a cama com o corpo encolhido e chorando porque eu dizia a verdade ninguém acreditava em mim.
Jurei por Deus que nunca mais queria ver ou saber do desconhecido, de espíritos falantes nos meus ouvidos. Compreendi naquele momento que as pessoas não me aceitariam como paranormal, sensitiva, médium, ou seja, o nome que desejassem dar. Elas não viam e não ouviam o que eu captava. Não conheciam a espiritualidade quando manifestada. Pedi a Deus naquele instante para tirar minhas premonições ou aquela “maldição” do diabo. Terminando de falar com Deus, chorei e solucei muito.
Minha boca se fechou e eu acreditei que pedindo a Deus para tirar as minhas visões seria atendida. Com os acontecimentos, permaneci mais ainda em introspecção. Joguei-me no estudo de piano. Comecei a ouvir ópera colocando os ouvidos bem encostados no alto-falante do rádio. Fazia os meus deveres, não contrariava ninguém. Todos os dias eu corria para a pia da cozinha repleta de louças para lavar. Gostava tanto de ficar lavando pratos e panelas. Dava-me tempo de projetar muitas histórias. Formava personagens, criava diálogos e a cada dia escrevia um capítulo de uma história mental. Não sabia que estava fazendo uma projeção, oficina literária, composição, histórias e trilha da minha própria vida. O que visualizei incessantemente nas minhas criações nesta época quando criança, grande parte delas, com o passar do tempo foram se materializando.
Próximo capítulo dia 15/08/2018
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