A Arquitetura da Ascensão – Continuação (Cap. 1.7)
No dia seguinte meu pai já estava se preparando para ir ao trabalho. Eu não me sentia bem. O corpo estava mole, relaxado demais. Uma sonolência absurda!
Tive uma visão nítida com luzes, raios, como se todos os trovões estivessem ecoando na terra. Minha vista opaca foi se apagando e nada mais pude ver.
— Você precisa acordar! Não venha deste lado. Aqui não é o seu lugar. Volte para o seu corpo.
Ouvia uma voz com tom tranquilo falando dentro do meu Ser.
— Onde estou? — Perguntei.
— Volte! Não é o seu tempo…
Dirigia-me para um túnel escuro e só no final refletia tênue luz branca.
— Você está chegando perto de seus ancestrais. Volte! Volte agora mesmo para o seu corpo. Não poderá ficar aqui. Volte, volte…
Eu enxergava nitidamente um senhor encapuzado vestido com roupa preta muito próximo as vestes de um Frei Franciscano. Não conseguia me mexer, apenas ouvi-lo.
Num momento vi uma fonte no centro de um jardim com plantas sendo regadas por senhoras vestidas de branco. Silenciosamente buscavam água cristalina naquela fonte. Abruptamente senti um empurrão. Abertos os olhos eu estava num quarto branco com meu pai segurando as minhas mãos. Foi logo me dizendo que eu tinha convulsionado e que meu irmão mais velho, atendendo ao chamado de socorro da minha mãe, conduziu-me na ambulância até a Santa Casa de Misericórdia.
Fiquei assustada no princípio desconhecendo a causa que me levou a convulsão.
Passados alguns dias renascia em minhas lembranças aquela voz que parecia vir do plano superior pedindo-me para eu voltar para o meu corpo. Não compreendia muito bem o que tinha se passado comigo até então. Como metodista jamais poderia ter ido a um outro plano. Minha religião sempre me mostrou que Deus cuidava de todos nós e que não havia vida após a morte.
Mexia comigo os ensinamentos da igreja. Eles pregavam que Jesus estava vivo dentro de nós e que um dia ele voltaria. Como Jesus voltaria se a Igreja Metodista qual eu frequentava desde bebe, pregava que os espíritos ficavam ao lado do “trono de Deus”? Eu via tanta gente (espíritos) ao lado de Deus na minha imaginação! Não tinha lugar para as pessoas ficarem ao seu lado. Deus é um só. Como acolher esta multidão de filhos desencarnados?
Não compreendia tanta contradição. Certa vez eu frequentando as aulas da Escola Dominical com meus 15 anos completos, a professora muito inspirada com a revista de jovens nas mãos, orientava-nos sobre a vinda de Jesus na Terra. Levantei-me:
— Professora “N” a senhora está dizendo que Jesus voltará?
— Sim! — Respondeu-me – Em breve Jesus voltará e virá nos salvar. Não é maravilhoso?
Sentei-me cabisbaixa. Pensei um pouco. Muito tímida e com as mãos suando fui ficando nervosa. Aquele seria o momento que tanto esperava para ouvir da religiosa a resposta que me afligia. Eu nunca guardei uma dúvida ou deixei de lutar por uma injustiça. Quando isto ocorria, levantava a minha voz, impunha-me. Uma força tomava o meu corpo como se não fosse a minha essência. Falava com descontração, vocabulário desconhecido e argumentos riquíssimos com conteúdo baseado na política social.
— Professora “N”, devemos crer que o mestre Jesus ressuscitará? Quer dizer… Jesus voltará, certo?
A mestra religiosa balançou a cabeça:
— Sim! Jesus voltará para nos salvar.
— Professora! Jesus voltando para a Terra para nos salvar, virá de cabelos compridos, olhos azuis, forte ou machucado?
Todos na sala riram muito. Eu não sorri e não gostei da atitude da professora. Ela me disse: — Vamos continuar a nossa aula.
Fiquei nervosa e brava. Peguei de cima do banco de madeira os meus pertences; a Bíblia, hinário cristão e a revistinha da escola dominical. Pedi licença, retirei-me da sala.
Como eu estava nervosa e não queria ficar só, dirigi-me à classe Wesleyana, formada por homens com ideias tradicionalistas. O próprio pastor ministrava os estudos daquela classe de homens. Estudavam as passagens da Bíblia, expositor cristão ou assuntos mais sigilosos. Às vezes um estudante de teologia ou um convidado especial substituíam o pastor ocasionado por sua ausência. Meu pai frequentava aquelas aulas.
Bati levemente na porta daquela sala de homens e com a insegurança de sempre. Alguém veio abri-la e todos os senhores voltaram-se para minha presença.
O pastor disse-me:
— Entre, entre! Quer falar com seu pai?
Balancei a cabeça timidamente. Quando o meu pai se levantou, interrompi-o.
— Não! Levantei a voz! Na verdade, eu quero que todos vocês me expliquem que história é essa de Jesus voltar à Terra para nos salvar. Vocês mesmos nos ensinaram que ninguém volta do céu para vir à Terra. Espíritos não existem e não tem asas para voar. Então Ele por acaso não é um espírito igual a todos os nossos familiares que já morreram? Não são todos filhos de Deus, igualmente?
Comecei a chorar, soluçar. Ouvi uns dos homens dizer:
— Deixem! Coitadinha. Ela tem problemas. Vamos orar para a sua recuperação.
Meu pai pegou-me pela mão. Ficou irritado por eu ter ido a sua reunião fazendo aquele papel ridículo. Sem nenhuma dó levou-me a sala de jovens. Assim que meu pai saiu de perto, sai correndo, ofegante, atravessando a rua, fazendo a caminhada até minha casa com soluços bem alto.
Qual Deus eu acreditava? Um Ser grandioso, onipotente, que resolvia todos os nossos problemas. Perdoaria as nossas ofensas e os nossos pecados. Deus daria a nós o conforto e a certeza de resolver nossos queixumes. Onde estava Deus naquele momento?
Deus não estava nas ruas. Eu o chamava aos prantos! Ele não me respondia!
Cheguei na minha casa em 5 minutos. Joguei a Bíblia, tudo o mais que carregava. Troquei de roupa e sai de casa em direção ao morro de terra vermelha. Montanha essa não alta, ficando próximo ao quintal de onde morávamos.
Sentei-me em cima do morro. Olhava ao longe. Via muitas montanhas distantes. Céu azul com nuvens brancas passeando de um lado ao outro.
Chorava muito. Procurava Deus nas nuvens. Orava e nada! Ele não me respondia!!! Comecei a calcular a minha queda proposital de cima daquela montanha. Ninguém me entendia! Não conseguia ser uma boa aluna no colégio desde quando iniciei as medicações com controle médico.
Não gostava de sair de casa, sair com os jovens da minha idade. Eu estava dando despesas para o meu pai que já tinha muitos filhos para dar de comer, vestir e educar. Eu queria mesmo a morte. Iria me jogar de cima daquela montanha.
Orei:
“Deus meu Pai. Solte os meus pés e braços.
Deixe-me ir perto da sua presença.
Aqui na Terra nada me interessa. Eu sou muito feia e acho que não sou filha dos meus pais. Meus irmãos todos são diferentes de mim. Melhor eu ir no céu ajudar aquelas senhoras que eu vi, buscando água na fonte.
Não quero ficar aqui tomando remédios e meus amigos e irmãos achando que sou uma boba.
Eu preciso que o senhor me deixe um piano no céu bem perto de mim. Isso lhe peço.
Não deixe os meus pais e irmãos serem pobres e ficarem doentes.
Muito obrigado.
Amém”*
* Oração copiada no meu diário em 1966
Fotografia da igreja: Misael Bortolotti
Próximo capítulo dia 01/09/2018
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